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N° 278 : “DESMAMANDO DO MUNDO”

Ministérios EFRATA – O Bem & o Mal, a Cada Dia
Segunda, 28 de Novembro de 2016

 

Na manhã deste dia, passei por uma experiência singular. Estando na cidade de São Paulo, tomei conhecimento da notícia do falecimento do Pastor Russell Shedd. Era um homem que impressionava quem convivia com ele, por suas qualidades, por sua humildade, por sua devoção ao Senhor Jesus e à Palavra de Deus.

Russell Philip Shedd (1929-2016) era filho de missionários norte-americanos, tendo nascido na Bolívia, mas tendo feito do Brasil seu homeland… Alguns fatos me ligaram, vez ou outra, a ele: fui aluno seu, num curso, vários anos atrás, na capital paulista; em 1997, quando em estudos na Escócia, tive a oportunidade de ter em mãos sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de Edimburgo (é uma das muitas ‘tombadas’ na biblioteca da universidade); e, pouco tempo atrás, ao dar partida a um ministério que ainda está em seus passos iniciais, Shedd se dispôs, com a gentileza que lhe era peculiar, a ser um dos colaboradores. Privilégios na minha conta!

Soube que seu corpo estaria aguardando o dia do sepultamento numa igreja da zona norte de São Paulo, na Vila Romana. Amanhecido o dia, tomei o metrô Ana Rosa, seguindo até à Sé; de lá, baldeando para a “linha vermelha”, até a Barra Funda. Na última estação oeste do metrô, nova baldeação – desta feita, para a ferrovia do CPTM, rumo a Pirituba, até à Lapa. Dali, mais um trecho, e eis a igreja.

Embora grande, a simplicidade é o seu tom preponderante. Não só a simplicidade da igreja; também a simplicidade das pessoas ali. E mais: a simplicidade daquele episódio, que as pessoas se habituaram a chamar de “velório”. Dentro da urna, também sem a mínima suntuosidade, um corpo embalsamado, por causa da necessidade de esperar filhos que residem fora do Brasil: dois nos Estados Unidos, e uma filha na Alemanha, além dos dois que aqui residem. Ao redor do esquife, nenhuma corbélia de flores; nem uma, sequer. Por que não? ‘Dona’ Patrícia, sua viúva, tinha expresso o pedido: “Por favor, não mandem flores: invistam o dinheiro em missões”. Este é o tipo de investimento que motivava o coração do pastor, assim como de sua esposa – trabalho para alcançar, com o evangelho redentor, pessoas ainda não alcançadas em outros lugares do mundo. Constatei, pessoalmente, que as pessoas atenderam ‘dona’ Patrícia, por 59 anos casada com o missionário… “Meu marido gostaria que fosse assim”.

No último dos seus depoimentos pessoais gravado em vídeo, falava do câncer que, da próstata, virou metástase. A frase dita cria lembrança irremovível: “O câncer é uma experiência muito boa, porque a gente sente-se desmamando do mundo e pronto para subir!”. Fatalmente atingido poucos dias depois de completar 87 de idade, Russell Shedd impressiona com essa afirmação. "Experiência muito boa"… "Desmamando do mundo" – onde já se viu? O que o “desmame” significa, para crianças? Significa o primeiro passo no rumo da vida própria. Na linguagem médica, o que significa o “desmame”? Significa o procedimento de emancipação de um doente à autonomia da respiração, depois que passa uma fase na dependência de ventilação mecânica. E, na linguagem espiritual usada por Shedd, o que significa? Significa o desprendimento desta vida, sob a aspiração da etapa porvir.

O apóstolo se referiu a essa nova fase: “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho. Mas, se o viver na carne me der fruto da minha obra, não sei então o que deva escolher. Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (Filipenses 1.21-23, ACF). Shedd conhecida bem esta passagem bíblica. Estava mais que desmamado do mundo.

Tão expressiva quanto esta afirmação aos Filipenses, é a que o mesmo apóstolo faz aos coríntios: “Enquanto isso, gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celestial…  Pois, enquanto estamos nesta casa, gememos e nos angustiamos, porque não queremos ser despidos, mas revestidos da nossa habitação celestial… Portanto, temos sempre confiança e sabemos que, enquanto estamos no corpo, estamos longe do Senhor… Temos, pois, confiança e preferimos estar ausentes do corpo e habitar com o Senhor” (II Coríntios 5.2-8, NVI).

Paulo não era alienado, não era escapista; mas estava ‘desmamado’ do mundo; Russell Shedd não era escapista, não era alienado, mas sentia-se sendo desmamado do mundo. Atribuiu ao câncer essa mérito. E lhe crescia, ante os olhos espirituais, a incomparável glória a ser revelada em nós (Romanos 8.19), que suplanta todo sofrimento deste mundo. Quem contempla e saúda essa glória porvir, está se ‘desmamando do mundo’! E que glória, será aquela!

Na virada do século 19 para o século  20, o compositor sacro trouxe a lume as palavras que, na voz de Guimarães Filho e Josafá Vasconcelos, trazem desfecho a este preito especial de hoje. Ouça, com nosso

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GLÓRIA HAVERÁ
THe Glory Song (1900)
Charles Hutchinson Gabriel (1856-1932)

Boa semana,
Ulisses 

Notas das citações bíblicas:
ACF – Edição bíblica de Almeida, Corrigida e Revisada Fiel, da Sociedade Bíblica Trinitariana
ARC – Edição bíblica de Almeida, Revista e Corrigida, da Sociedade Bíblica do Brasil

ARA – Edição bíblica de Almeida, Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil
BCF – Bíblia Católica de Figueiredo, www.bibliacatolica.com.br
NVI – Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional