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N° 33 : “FOGO AMIGO…”

Ministérios EFRATA – O Bem & o Mal, a Cada Dia
Domingo, 20 de Novembro de 2011

Na semana passada, por motivo de viagem e dificuldade de acesso à internet, não escrevi a mensagem semanal. Volto a fazê-lo hoje, na suposição (quem sabe, presunçosa) de trazer mais uma palavra. Exatamente 110 anos atrás, com a renúncia do primeiro presidente republicano brasileiro (Deodoro da Fonseca), assumia a presidência o seu vice, Floriano Peixoto. Esse alagoano de Maceió, agora presidente, havia sido militar de destaque na campanha da Guerra do Paraguai (1864-1870). Aquele período da guerra ainda estava sob o regime monárquico do império brasileiro. Em 1889, quando a revolução maçônico-jurista-positivista depôs o regime monárquico de Dom Pedro II, instaurando a república, Floriano Peixoto era o chefe da guarda do Visconde de Ouro Preto. Este, político mineiro nascido na cidade que lhe dá a alcunha, era, em 1889, o presidente do conselho de ministros de Dom Pedro II. Era, portanto, uma espécie de "primeiro-ministro", e monarquista convicto. Bradada a revolução republicana, o Visconde de Ouro Preto deu ordens ao então comandante militar Floriano Peixoto, para que reprimisse a revolução… Se preciso fosse, segundo a ordem, eliminando os revoltosos. Consta que Floriano Peixoto resistiu à ordem do Visconde, dizendo que não seria capaz de chegar a este extremo no cumprimento das ordens. Vou tentar, em parte com minha imaginação, reproduzir o diálogo que se deu :

– Comandante Peixoto, é agora seu dever proteger o império dessa revolução; reúna os homens, cumpra o seu dever, se preciso for, usando a força e eliminando os revoltosos.

– Sinto muito, senhor, mas não poderei chegar a este extremo – eliminar os revoltosos.

– Mas, como não? Na guerra do Paraguai quantos foram os que você, com seus homens, eliminou ?  Não foram muitos ?

– Muitos, senhor, com certeza.  Mas, lá, na guerra contra o Paraguai, tínhamos inimigos pela frente; aqui, não: somos todos brasileiros!

   Que resposta: "lá, tínhamos inimigos pela frente; aqui, não: somos todos brasileiros". Esta frase, eu não precisei imaginar: a história a registrou! Se Peixoto houvesse feito como queria o presidente ministerial da coroa, teria produzido uma espécie daquilo que se costuma denominar "fogo amigo". Em muitos casos, o "fogo amigo" ocorre por descuido. Mas, em outros casos, pode ser por traição, ou por repressão.Teria sido este último, o caso. Nas nossas lides, estamos sujeitos a enfrentar "fogo amigo" também. Para ser mais honesto, devo dizer que estamos sujeitos, tanto a enfrentar, quanto a produzir. Aqui e acolá, podemos ser flagrados na posição passiva (sofrendo-o), mas também na ativa (fazendo-o). "Porque, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? (I Coríntios 3.3) 

   Não é "fogo amigo" quando nos colocamos a digladiar entre irmãos de uma mesma igreja, ou entre irmãos de uma mesma fé, por causa de razões que dificilmente poderiam justificar a contenda? Não é "fogo amigo" quando, por motivos fúteis, alunos de uma mesma sala de aulas se mobilizam com o fim de alimentar discórdias e desavenças com outros colegas, dada a diversidade de mentalidades, como se lhes fosse inviável permanecer  dentro do mesmo recinto e respirando o mesmo ar? Quando eu fazia faculdade de engenharia, em Governador Valadares, no terceiro ano se faziam as  divisões de turmas conforme a modalidade escolhida. Assim, lá na década de 1970, passei a ter colegas numa mesma sala, com os quais ainda não havia convivido. Não demorou muito, e um grupo majoritário da classe "patenteou" uma nomenclatura de auto-denominação: eram eles a "galera". A "galera" só tinha gente "feliz", gente brincalhona, querendo mostrar que estava de bem com a vida. Geograficamente, também estava demarcada – o fundo da sala. Mas não estava de bem, não tanto quanto, com os estudos. E eles se incumbiram de criar a "logomarca" dos demais, que não eram da "galera"- o outro grupo foi por eles denominado com uma alcunha muito pejorativa, ao qual frequentemente tripudiavam. Estes, frequentemente tripudiados, eram os que tinham espaço geográfico diferente – da metade para a frente na sala; também era o grupo mais interessado em levar a sério os estudos. Dali para diante, a convivência foi uma sucessão de amostras de "fogo amigo", com algumas tréguas de alívio.  

   Pergunto ainda: Não é "fogo amigo" quando, por questões de importância inteiramente secundária, membros de uma mesma família se permitem  abrigar um clima de hostilidades que, em talvez a totalidade dos casos, razões puramente egocêntricas respondem pela asfixia das boas relações? Na construção civil, quando se prepara uma forma em madeira (ou qualquer outro material próprio) para receber uma estrutura em aço, a ser revestida e preenchida de concreto, é imprescindível que o concreto lançado seja bem adensado, bem misturado, bem homogeneizado. Do contrário, retiradas as formas, aparecerão as "brocas", horrendos buracos sem concreto que expõem a ferragem, tais quais feridas na carne humana que expõem os próprios ossos, causando grande risco à estabilidade da estrutura. Pois bem: Não é fogo amigo quando cônjuges se agridem sem razão, por acentuado sentimento animal, deixando à mostra ossos doentes da ferida, "brocas" que minam a estabilidade das estruturas? Não é "fogo amigo" quando colegas de ministério, ou de lides missionárias, ou de esforços de empreendimento pelo Senhor da Seara se hostilizam por causas pequenas, diante do tamanho da causa daquEle que os arregimentou?

   Me lembro bem do Rev. Noé de Paula Ramos, com um relato que dele mesmo ouvi. Certa feita, no mandato do Presbítero Paulo Breda à frente da IPB, Rev. Noé era seu vice. Estando ele no exercício da presidência, numa das reuniões da década de 1980, um certo pastor contumaz em usar o idioma de forma áspera e ferina contra seus pares, o fêz como costumava fazer contra aquele que presidia o Supremo Concílio da IPB. Calmamente aguardando o fim da espumante vociferação, Rev. Noé de Paula Ramos limitou-se a comentar, ao término do falatório do conciliar: – Estão vendo os irmãos? Se este destacado irmão e colega assim se pronuncia, aqui dentro do Supremo Concílio, contra o vice-presidente que ora preside o Supremo Concílio da Igreja, o que não é capaz de fazer ele com outros irmãozinhos lá em seus concílios menores?

    "Fogo amigo" é um desastre. Sempre é fruto de um esquecimento, um momentâneo (às vezes não tão momentâneo) e breve (às vezes não tão breve) lapso de memória, de que o verdadeiro "inimigo" está invisível, mas não é o irmão de fé, não é o colega de sala, não é o familiar, não é o colega de ministério, etc. Ele está "do outro lado", ou então está "atrás", enquanto atiça. Nós não o vemos porque, além de invisível, esse verdadeiro inimigo se camufla. Camuflado, faz-nos pensar com frequência que ele nunca está envolvido nas situações de "fogo amigo". O pior é que está. E como está! No entanto, esta "ocupação" não pertence às atribuições do "Reino do Filho do Seu amor"; pertence, antes, aos negócios de interesse do "império das trevas", do qual o Filho nos libertou(Colossenses 1.13) ! "Sede sóbrios, e vigilantes: o diabo, vosso adversário, anda em derredor, procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo" (I Pedro 5.8,9) A Bíblia fala de uma atividade típica do adversário: ele se ocupa de ser acusador "dos nossos irmãos" (Apocalipse 12.10). Numa mensagem que já preguei algumas vezes, costumo lembrar que a nomenclatura "diabo" vem de "diabolos" (grego), que significa, literalmente, "o que lança contra", ou "acusador".É isso – Ele é sempre o instigador de contendas, em suas estratégias ardilosas : 

1) Instiga contenda do homem para com Deus (fêz assim já no princípio, no Paraíso do Éden…)

2) Instiga contenda de Deus para com o homem (fêz assim com Jó, e não apenas com ele… )

3) Instiga contendas de nós outros para com nossos próximos (parece que é a sua mais frequente ocupação…)

    Esta última instigação é a que produz o "fogo amigo". Frequentemente, esse estrategista maligno se aproveita de nossas fraquezas, de nossas debilidades, para provocar o seu ardil. As feridas da existência, as "escaras" do leito de dor, o vazio dos dias e das noites sem sadio exercício espiritual, as tentativas meramente humanas de construir preenchimentos para as necessidades existenciais e as carências da alma… são tipicamente as situações de que ele se aproveita. E aí, enfraquecidos, vulneráveis, nos tornamos presas fáceis. É preciso resistir-lhe firmes na fé. Note bem – três exigências:

1) Resistir…

2) Firmes…

3) Na fé…

    Mas, isto já seria outra mensagem… Apenas lembrando: "Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram – eis que se fizeram novas!" (II Coríntios 5.17) 

   Para deleite dos ouvidos e da alma, hoje, escolhi um hino muito tocante a mim. Rusty Goodman (irmão de Howard Goodman e cunhado de Vestal) o compôs não muito tempo antes de ser levado por um câncer, apenas aos 57 anos de idade. Fala o hino da maneira como o "Oleiro" costuma tratar conosco em nossas feridas e "escaras". Se o "barro" for dócil e maleável nas mãos do "Oleiro", o resultado é sempre um "vaso novo". Abaixo, coloco a letra de língua inglesa, para aqueles que quiserem apreciar a poesia original… O áudio em nosso idioma traz a versão  já conhecida e cantada…

 THE POTTER (1980)
 O OLEIRO
 Rusty Goodman(1933-1990)

When the Potter gathers up broken pieces
Quando o oleiro ajunta pedaços quebrados 
Of a vessel He wishes to mend (thank God !)

De um pote que Ele pretende consertar (graças a Deus
He doesn’t put it back together like a puzzle, O No!

Ele não os ajunta um-a-um como um quebra-cabeças, não, não 
But on the Potters wheel He molds it again. 

Mas ele os molda de novo na roda do Oleiro. 

Lord, don’t let me see the way I used to be
Senhor, não me permita ver a trajetória que trilhei 
Remove the scars that follow the pain

Remove as escaras que se seguem à dor 
Wounds of my shame, bind them up in Your great Name

Feridas que são minha vergonha, retém-nas [em Tuas mãos] em teu Excelso Nome 
Cast them all into your forgetting sea ! 

Lança-as todas adentro em teu mar de esquecimento 
Take away all the strife, all that followed a wasted life 

Expurga toda discussão, todas as que procedem de uma vida desolada
Tried to build on the dust of a foolish dream 

Que [apenas] tentou se construir na poeira de um sonho tolo 
Just an empty space of time 

Tão somente um espaço vazio no tempo
Somewhere in the corner of my mind 

Em algum lugar, num dos cantos da minha mente
If all the world should recall, don’t let me see !

Se o mundo inteiro me reclamar, não me permita ver. 

   If I should sit among the ashes of the bridges (lembra de Jó ?)
   Se eu me sentar em meio às cinzas das 'pontes' 
   That I’ve burned, O Lord, on my way back home to Thee
   Que já foram jogadas abaixo, ó Senhor, em meu caminho de reconciliação contigo
   o compositor lembra a estratégia de guerra, que dinamita pontes que ficam para trás,
   no caminho, impedindo o acovardado caminho de retorno – Lucas 9.62)
   Don’t let me find one single thing among the ruins

   Não me permita encontrar um só objeto em meio aos escombros
   That could bring to my mind one memory!

   Que pudesse trazer à minha lembranças [nocivas] memórias(Lamentações 3.21

Lord, don’t let me see the way I used to be
Senhor, não me permita ver a trajetória que trilhei 
Remove the scars that follow all my pain

Remove as escaras que se seguem à dor 
And wounds of my shame, bind them up in Your great Name 

E feridas que são minha vergonha, retém-nas [em Tuas mãos] em teu Excelso Nome 
Cast them all into your forgetting sea !

Lança-as todas adentro em teu mar de esquecimento !
Take away all the strife, all that followed a wasted life 

Expurga toda discussão, todas as que procedem de uma vida desolada
Tried to build on the dust of a foolish dream 

Que [apenas] tentou se construir na poeira de um sonho tolo 
Down that corridor of time don't ever let them come to mind

No curso do corredor do tempo, não permita que venham à mente
If all the world should recall, don’t let me remember them at all 

Se o mundo inteiro me reclamar, não me permita trazer tudo isto à lembrança 
And if all the world should recall, don’t let me see!
E se o mundo inteiro me reclamar, não me permita ver.

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Bom Domingo, boa semana,
 Ulisses

Notas das citações bíblicas:
ACF – Edição bíblica de Almeida, Corrigida e Revisada Fiel, da Sociedade Bíblica Trinitariana
ARC – Edição bíblica de Almeida, Revista e Corrigida, da Sociedade Bíblica do Brasil

ARA – Edição bíblica de Almeida, Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil
BCF – Bíblia Católica de Figueiredo, www.bibliacatolica.com.br
NVI – Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional