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N° 157 : “ENCHIRIDION”

Ministérios EFRATA – O Bem & o Mal, a Cada Dia
Domingo, 01 de Junho de 2014

 

Enchiridion! Sabe que palavra é esta? Ah! Antes de dizer, deixe-me dizer outra coisa: Sou ‘amante’ de genealogias. Não só de pessoas; também de palavras. Não sou um ‘linguista’, mas confesso minha fascinação por descobrir o rastreamento linguístico de certos vocábulos. Como nos advêm do latim, do grego, ou do grego através do latim, e assim por diante… Sabe, né? Coisas de gente que não tem o que fazer, e fica procurando como encher o tempo vazio! Aliás, minha curiosidade chegou ao ponto de, certa vez, pedir a um eminente colega, que estudava no curso de Letras de certa universidade federal, que me ajudasse a adquirir um dicionário etimológico greco-latino: um que ajudasse a identificar a origem grega das palavras latinas que chegam ao nosso vernáculo. É o caso da palavra acima. Pelo latim, nos adveio do grego. Literalmente, significa “o que cabe na mão”, mas sua tradução corrente é “manual”. Como nome próprio, designou obras importantes. Como a de Erasmo de Roterdam (1466-1536), por exemplo.

Erasmo foi um sábio holandês, que atendeu votos de vida monástica entre os católicos agostinianos. Estudou em Roterdam, Paris, Londres, Veneza e Basiléia. Também ensinou nalguns destes lugares, incluindo a prestigiada Universidade de Cambridge. OEnchiridion de Erasmo surgiu para ser um manual. Na verdade, seu nome completo era Enchiridion militis Christiani (“Manual do Soldado Cristão”), publicado um ano após a descoberta do Brasil, por Cabral; dezesseis anos antes do ato de Lutero, que deflagrou a Reforma religiosa. Foi, na verdade, uma ‘encomenda’: a esposa de um soldado francês, este amigo de um amigo seu, rendeu seu coração à piedade de Cristo, mas envergonhava-se do procedimento, às vezes nada honrado, de seu esposo. Atendendo ao pedido do seu amigo, Erasmo escreveu esse manual como um desafio a cristãos, para que conformem sua vida ao padrão de Cristo. Dele, extraio uma pequena citação: “Vocês ficam mudos e maravilhados pela hipótese de terem nas mãos uma túnica ou um sudário que supõem ter sido de Jesus Cristo, mas ficam sonolentos ao terem nas mãos, para ler, a própria palavra de Cristo? Acreditam ser importante abrigar uma lasca do madeiro da cruz em casa, mas não valorizam tanto carregar no peito o próprio mistério da cruz de Cristo!”

Erasmo denunciou, com esta palavra, a forma de religião (de cristianismo, no caso particular) dependente de sensações. Há muito disso ainda hoje. Antes que eu prossiga, preciso dizer que não condeno o lenitivo de certas sensações, em religião. Não há como negar que sensações são parte inseparável da verdadeira fé, e não apenas o elemento racional. Mas, sensações que são nutridas como se fossem respiradores artificiais para a religião são nocivas. Na medicina, estes últimos são um recurso extremo, para manter respirando um organismo que não consegue fazê-lo de maneira autônoma; portanto, são de uso temporário – dura até que a autonomia se restabeleça. Na vida cristã, sensações cultivadas como o uso de respiradores artificiais são sempre nefastas. Sensações adquiridas pelos olhos, sensações adquiridas pelos ouvidos, sensações adquiridas pelo tato, e até pelo olfato, criam uma dependência tal que ‘anestesia’ a pessoa para o cultivo da verdadeira fé, quando elas se ausentam.

Vê-se isto não apenas nos pedaços de matéria física como os que Erasmo questionou, mas também na produção artificial de ambientes, de ‘atmosferas’ (o clima de evento), de sonoridades, de representações cênicas, não importando de que coloração religiosa sejam, mesmo no cristianismo, de qualquer matiz. O mentor da religião cristã asseverou que a expectativa de Deus, Criador, Provedor e Redentor, é que qualquer forma de adoração a ele dirigida seja de um só padrão. Certa mulher samaritana disse a ele: “Nossos pais adoraram neste monte, mas vós [isto é, judeus] dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar.” (João 4:20, BCF). Ela se referia à tradição de seus antepassados, que reivindicavam uma única maneira – num monte – como aceitável a Deus, na adoração a Ele. Mas Jesus lhe acudiu a visão distorcida, respondendo: “Mulher, acredita-me, vem a hora em que não adorareis o Pai, nem neste monte, nem em Jerusalém. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade; e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade.” (João 4:21-24, BCF).

“Em espírito e em verdade”! Isto não afasta o sensorial, mas não é, essencialmente, sensorial. É, com o disse Erasmo, carregar no peito o próprio mistério da cruz. É preciso compreendê-lo minimamente, mesmo que sua dimensão mais exata esteja acima da nossa compreensão, como está. Quando vamos a uma igreja, o que lá nos atrai? O frenético movimentar de corpos, em meio ao estímulo de certa música que subliminarmente arrebata com seu ritmo (ainda que tenha uma mensagem cuja procedência bíblica possa ser identificada), ou a face e a comunhão daquEle que, por entre os simbólicos candeeiros de ouro, se apresenta com cabelos brancos como a alva lã, cujos olhos são como chama de fogo, cujos pés são como bronze, e cuja voz como a de uma multidão de águas? (Apocalipse 1.12-16). A temperatura que, de modo efêmero, emana do ajuntar-se de outras vidas (o que é até bom), mesmo de um programa que, confeccionado para erigir excitações, dissipa os seus fugazes efeitos tão logo se dissipa o ajuntamento, ou a alta temperatura que se produz à semelhança do que declararam os caminhantes de Emaús: “Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras?” (Lucas 24.32, ACRF).  Deus mesmo, por intermédio do profeta, preveniu que mesmo procedimentos cerimoniais que Ele mesmo havia prescrito, cujo teor “em espírito e em verdade” se havia perdido, se tornaram, ante Ele, motivos de aborrecimento e canseira: “As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer.” (Isaias 1.14, ARA). Ritos e expressões externas não lhE bastam: “em espírito e em verdade” implica numa religião de essência, movida pelo teor da Palavra de Deus (e tão somente por ela), conduzida pelo Espírito de Deus (e, tão somente por Ele).

Infelizmente, o diagnóstico de 2.600 anos atrás, ratificado nos dias de Jesus, continua largamente válido ainda hoje: “Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês, dizendo: ‘Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens’” (Mateus 15:7-9, NVI).

Se alguém quer ser adorador do Deus verdadeiro, prestar a Ele culto em espírito e em verdade, precisa reavaliar, continuamente, se está produzindo, diante de Deus, meros lampejos de sensações, de artifícios enganosos, de nutrientes hedonistas, isto é, que primam pela auto-satisfação, ou verdadeira religião, verdadeira adoração, em espírito e em verdade. A primeira forma, como há 2.600 anos, só leva a Deus canseira e aborrecimento; em nada difere da idolatria explícita. A segunda O deleita! O enchiridion, para tal, continua sendo, como sempre o será, a Palavra de Deus! Inovações que não provêm da prescrição divina podem agradar à carência humana de sensações; não, a Deus!

Prá finalizar, deixo um hino de Cleland McAfee. Trata-se de uma composição surgida logo depois da perda trágica de duas sobrinhas, acometidas de difteria. O próprio autor cantou o hino, pela primeira vez, em noite a céu aberto, ante sua casa, isolada pela prática de quarentena. O hino se tornou uma espécie de consolo para toda a família, mas também um ode à plenitude da comunhão verdadeira com Deus.

 

NEAR TO THE HEART OF GOD (1903)
Junto ao Coração de Deus
Cleland Boyd McAfee (1866-1944)

There is a place of quiet rest,
Há um lugar de sereno descanso
Near to the heart of God,
Junto ao coração de Deus
A place where sin cannot molest,
Lugar onde o pecado não pode molestar
Near to the heart of God.
Junto ao coração de Deus.

O Jesus, blest Redeemer,
Oh Jesus, mui bendito Redentor,
Sent from the heart of God,
Enviado do coração de Deus
Hold us, who wait before Thee,
Sustenta-nos, a nós que em Ti esperamos,
Near to the heart of God.
Junto ao coração de Deus.

There is a place of comfort sweet,
Há um lugar de doce conforto,
Near to the heart of God,
Junto ao coração de Deus,
A place where we our Savior meet,
Lugar onde com nosso Salvador nos encontramos,
Near to the heart of God.
Junto ao coração de Deus.

There is a place of full release,
Há um lugar de pleno alívio,
Near to the heart of God,
Junto ao coração de Deus,
A place where all is joy and peace,
Lugar onde tudo é alegria e paz,
Near to the heart of God.
Junto ao coração de Deus.

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Abraços, até próximo Domingo, se Deus quiser (Tg 4.15)
Ulisses

Notas das citações bíblicas:
ARA – Edição bíblica de Almeida, Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil
ARC – Edição bíblica de Almeida, Revista e Corrigida, da Sociedade Bíblica do Brasil
ACRF – Edição bíblica de Almeida, Corrigida e Revisada Fiel, da Sociedade Bíblica Trinitariana
BCF – Bíblia Católica de Figueiredo, www.bibliacatolica.com.br
NVI – Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional'